domingo, fevereiro 13, 2005

Entrevista com o gerente do patrimônio da união – Newton Miranda – DIÁRIO DO PARÁ

União vai desocupar toda a orla de Belém

Todas as famílias ou empresas que ocupam irregularmente a orla de Belém, terrenos considerados área de marinha, terão de desocupar o local. A afirmação é do gerente regional da Secretaria do Patrimônio da União no Pará, Neuton Miranda, que concedeu entrevista aos jornalistas William Silva, Roberto Barbosa e Luiz Sabaa. Neuton Miranda esteve acompanhado do gerente regional substituto Paulo Murta. Eles informaram que a Secretaria do Patrimônio da União já expediu notificações para que os invasores deixem as áreas ocupadas, o que deverá ocorrer nos próximos meses. Segundo Neuton Miranda, essa ação visa viabilizar o Projeto Orla, do Governo Federal, que objetiva ordenar, disciplinar, recuperar, e articular tanto a questão ambiental quanto a social e econômica da orla, um patrimônio público. A Secretaria de Patrimônio da União administra o patrimônio imobiliário do Governo Federal, com exceção dos imóveis sob responsabilidade do Incra ou Ibama. O órgão também gerencia as terras de marinha: orlas, praias, várzeas ou ilhas marítimas e fluviais que sofram influência da maré. A seguir, os principais trechos da entrevista.

DIÁRIO — Na orla de Belém, há áreas de marinha ocupadas pelo Governo do Estado e pela Prefeitura. Como se dá essa ocupação? É através de convênio com a Secretaria?

Neuton Miranda — Toda orla é patrimônio da União. Só é permitida a ocupação se tiver autorização da Secretaria de Patrimônio da União. Por exemplo, se a Prefeitura quiser implantar algum projeto em área da União por um tempo determinado, existe uma lei que regula essa situação. Também pode ser feito um acerto entre o Exército, Marinha e Aeronáutica com a Prefeitura ou Estado com interveniência do Patrimônio da União, que é quem faz os contratos. O procurador da Fazenda Nacional é que os assina. Não é propriamente a gerência regional. Tivemos vários tipos de acertos de utilização de áreas, como o do Forte do Castelo, que passou pelo Patrimônio da União. No caso, fizeram um contrato onde existe uma permuta: o Estado se comprometeu a fazer alguma coisa e, em troca, o Exército fez o retorno da área ao Patrimônio da União para que fosse disponibilizada ao Governo do Estado.

Há diferença entre “área de marinha” e “área da Marinha”?

O primeiro termo diz respeito às orlas, enquanto que o segundo, às áreas (de orla ou não) que a União cede à Marinha. As outras Forças Armadas, órgãos públicos federais, estados e prefeituras podem pedir a concessão de áreas de marinha.

No caso de particulares que ocuparam área de marinha, eles pagam alguma taxa? Para quem?

Pagam uma taxa para a Secretaria de Patrimônio da União, de acordo com a figura jurídica. No caso da orla, encontramos várias situações: ocupações antigas que foram aforadas, cujos os moradores adquiriram o domínio útil; outras áreas que foram ocupadas até 1998, que pagam uma taxa de ocupação; e também há casos de partes da orla que foram simplesmente invadidas. Nesse caso, como é invasão, não há pagamento de uma taxa.

Como está a orla de Belém hoje?

Toda ocupada. Encontramos nela três situações: o foreiro, o ocupante e o invasor. Nós estamos fazendo um levantamento de toda essa situação, pois na orla de Belém ocuparam até as vias públicas, em um completo desrespeito àquilo que é um patrimônio público de uso comum.

O senhor poderia citar um caso?

Se você anda pela Pedro Álvares Cabral, você encontra ocupada a Dom Pedro I, a Manoel Evaristo, a José Pio. Quer dizer, da Universidade (Federal do Pará) até o Curro Velho, nós localizamos 15 vias obstruídas. A maior parte delas simples invasões. Nós já fizemos o levantamento e estamos notificando todos os ocupantes e cancelamos o cadastro de quem o tinha. Estamos notificando para que desocupem essas vias. Temos outro caso (de pedido de desocupação na José Bonifácio), o fim dela, na Estrada Nova, está obstruído. Da Universidade nos andamos muito para encontrar algum local onde a gente possa ver o rio. O acesso ao rio, pela legislação, não pode e não deve ser impedido. Mas, na realidade, em Belém houve ocupação irregular, algumas à revelia do próprio Patrimônio da União, ou algumas delas iniciando com processo errado. Quer dizer, começa-se como uma ocupação que não iria atingir uma via, mas na prática termina avançado sobre ela. Foi o caso da José Bonifácio. Começou com uma ocupação no alinhamento da rua e depois foi tomada a rua toda. Isso é muito comum.

O que falta para que, quando essas coisas comecem a acontecer, possa ser feita uma ação mais rápida? Há termo de cooperação entre a secretaria e a prefeitura, para que, tão logo seja verificada a invasão, seja providenciada a desocupação?

A secretaria está sendo reestruturada, porque ela foi muito sucateada. Ainda hoje, as condições de intervenção são muito limitadas, precisam ser fortalecidas. Nós priorizamos, na nossa ação, a parceria com o poder público local. No caso de Belém, mantemos um termo de cooperação técnica que foi assinado no governo passado, em dezembro. Nós já solicitamos à nova administração, que assegure o cumprimento deste termo, que implica, inclusive, no fornecimento que a prefeitura faz quanto a pessoal, para que a gente possa fiscalizar e coibir as ocupações irregulares, em especial na orla. Além disso, incluímos Belém, no ano passado, no Projeto Orla, do Governo Federal, que objetiva ordenar, disciplinar, recuperar, articular tanto a questão ambiental quanto a social e econômica da orla, dentro da visão de que aquilo é um patrimônio público. Estamos na fase de implantação do projeto. Devemos realizar, brevemente, uma oficina com objetivo de capacitar os técnicos de vários municípios paraenses que possuem orla. Não queremos mais que haja intervenções pontuais. Que haja intervenções, mas dentro de um plano global. Com o projeto, queremos também assegurar a participação da comunidade. Queremos que em cada município tenha um comitê gestor. O formato que estamos dando para ele pede que dois terços sejam locais: um terço do poder público local e um terço da comunidade. O outro terço será de representantes da União e do Estado.

De uns anos para cá, a Prefeitura de Belém tem tentado abrir “janelas para o rio”, e vem enfrentando muitos problemas. São problemas antigos, há pessoas que estão estabelecidas nestes locais há mais de 50 anos. Como o senhor pretende colocar à frente essa desocupação?

Tem que haver conscientização. É um sentimento do povo de Belém, de toda sociedade, a reorganização da orla. Não é porque até agora o resultado tenha sido insatisfatório que vamos pensar que isso não possa evoluir favoravelmente. As dificuldades ocorrem mesmo: houve um caso de tentativa de desobstruir uma rua, a Justiça Federal deu ganho de causa ao ocupante porque o demandante era a Prefeitura, a quem não pertence a dominialidade. No caso da União, não há como negar.

Vocês vão tentar repetir o que a Prefeitura tentou?

Nós estamos notificando esses ocupantes, e vamos entrar com ação judicial através da Advocacia Geral da União para garantir a desobstrução.

Onde ficam essas vias?

São várias vias. Há alguns dias atrás houve caso na José Bonifácio... Em todas as vias obstruídas os ocupantes estão sendo notificados. É claro que essa notificação dá um prazo de 30 dias para desobstrução. Uma parte já foi notificada. A gente tem que ver em uma situação macro. No caso de Belém, a cultura sempre foi ribeirinha, de acordo com a qual todo mundo tem um porto para aportar sua canoa. Quando a cidade tinha uma certa feição onde não existia ruas e vias públicas, aquela área era toda de quase toda de aninga, mangal. Nós não tínhamos praia. Com o desenvolvimento da cidade, essa parte ficou descuidada por todas as administrações. A urbanização é compromisso do município. Cabe ao Estado e o Município zelar pelas áreas de uso comum, de acordo com a lei 9635.

Então já houve, em 2005, casos que a notificação venceu? Qual foi o procedimento?

Nós entramos em contato com a Advocacia Geral da União, estamos enviando todas as informações para ela, através da Justiça Federal, exija a desobstrução. Penso que a decisão deva ser rápida, não deve demorar. A nossa pretensão não é apenas desobstruir as vias, mas de fato desenvolver esse projeto para que a nossa cidade possa desfrutar dessas riqueza natural que é a baía.

Há tratamento diferencial quando o ocupante é uma empresa privada ou uma família?

Há sim. Parte dessas vias foram ocupadas por residências precárias. Nesse caso, nós não podemos simplesmente notificar e entrar com ação de reintegração de posse, principalmente quando a ocupação é antiga. É necessário projeto, com participação do poder público local, que implique em remanejamento, levando essas famílias para outras áreas, que preferencialmente não sejam distantes do local que essas famílias ocupam, porque a maior parte delas tira o seu sustento da relação de vizinhança à orla.

Essas residências irregulares já foram notificadas?

Já, mas poucas.

Qual a metragem que determina o que é área pertence à União?

Quem demarca é a Linha de Preamar Média (LPM), que determina o que é área de marinha e o que é terreno acrescido de marinha. Belém é um caso atípico: grande parte é aterro. Quando você joga a cota de preamar média, onde ela bate na terra, você mede para dentro 33 metros. Esse é o terreno de marinha. O trecho que fica entre o ponto onde a cota bateu até o rio é o “acrescido de marinha”. Em Belém, dos ocupantes cadastrados, mais de dois mil imóveis estão dentro de terra de marinha. Mais de 20 mil estão em terreno acrescido de marinha. O número de cadastros estimados (de ocupantes de área ou terreno acrescido de marinha é 130 mil. Quase 50% da cidade de Belém é constituída de área de marinha ou terreno acrescido.

E em relação aos portos irregulares?

São vários os problemas que existem. Nós não podemos mais continuar com a situação em que cada empresa tenha um porto particular. Precisamos ter um porto municipal, mais de um até, ou estadual. É preciso buscar soluções para não só disciplinar, mas para facilitar para essas empresas. Todos os que ocupam orla vão sair ganhando: a qualidade de vida vai melhorar, o turismo será incrementado.

Existe um projeto da Prefeitura para duplicar a Bernardo Sayão. Ali é uma das áreas mais caóticas e problemáticas. Qual a participação da secretaria nesse projeto, como está sendo programado isso?

A participação da Secretaria do Patrimônio da União é fundamental, porque toda aquela área é área da União. Qualquer intervenção precisa contar com a aprovação da secretaria. Naturalmente, nós temos interesse nesse projeto, que é algo que precisa ser desenvolvido. Na medida em que a secretaria for demandada pela prefeitura, nós vamos analisar o projeto que for apresentado de acordo com o interesse público. Eu considero que isso fará parte do Projeto Orla. Naturalmente, nós pretendemos é criar no Estado uma comissão técnica estadual. Vamos conversar com o órgão que trata do gerenciamento costeiro, a Sectam. Pretendo, brevemente, me encontrar com o secretário para que haja uma reativação do gerenciamento costeiro e a implantação dessa comissão técnica estadual para tratar do projeto orla.

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