terça-feira, julho 17, 2007

Ajuricaba & Guaiamã, heróis aruaques - José Varella

O rio da cidade de Belém da Amazônia
(José Varella, autor do ensaio “Amazônia Latina e a terra sem mal”, especialmente para o movimento Orla Livre.)

O povo da Orla não enrola
Com estória p’ra boi dormir
Seu espírito ribeirinho das tribos da água
Não põe banca de bacharel festejado
De diploma e anel de grau;
Com mãos aos remos e a boca solta
Aos quatro ventos
Essa gente da beira do rio é franca
Livre como a chuva atravessando a baía
Tal qual o índio conquistador das amazonas
Quer livre olhar o rio e o mar
Da Cidade do Grão Pará...
Adivinhar o futuro, resgatar o passado
A tribo da Orla não mente sobre a história do rio
Nas angústias do presente.
Este rio urbano tem sua fama sepultada na lama
Como as pedras do Cais são sujos pedaços de memória
Do tempo da Borracha
Dentre escarros e servidões medonhas
O Ver-o-Peso ensina na voz do vento Geral
A viração de coisas esquecidas
Levadas de bubuia na maré de março
Rumo a um país desconhecido
No reino da Boiúna,
Grande serpente fluvial, mãe da gente Cabana.
O Guamá catequizado e consumido pelo shopping-center
Virou de costa ao seu passado desfeito em fumos
Divorciado da cidade asfaltada
Por feias usinas e trapiches mercenários
Ri o curso moderno do velho rio com a sua fala tapuia
Nasalizada pela voz da terra
Tão natural afinal de contas e miçangas
Arcos e flechas e tangas...
Dialeto reprovado na escola pequeno-burguesa
Que diz o hispânico “canoa” em lugar do aruaque canua
Toma guaraná quando devia beber guaranã.
Portanto não sabe que estas águas poluídas
Foram QG do cacique bandoleiro Guaiamã
Tuxaua dos Aruãs e Mexianas, do Marajó afamado
Índio guerrilheiro
Fazedor de escambo de índios mansos
A troco de armamento e munição
P’ra combater barões assinalados
E o arquiinimigo tupinambá antropófago
Cem anos depois da traição da paz de Mapuá,
Onde Nheengaíbas e tupinambás
Sob as bênçãos do padre Antônio Vieira
Depuseram as armas e aceitaram
Todos a ser súditos d’El-rei de Portugal
Tutelados de Sua Santidade...
Mas, como a doação da Ilha Grande de Joanes
Ao secretário de estado distante
Transformou a federação marajoara em capitania
Hereditária cuspindo assim sem pena
Sobre o direito e liberdade dos índios
Os Aruãs também deram o dito por não dito...
Recomeçou a antiga peleja entre cristãos e gentios
Eis, o porquê do tardio combate do rude Guaiamã
Que a Devassa contra ele não disse
Assim como ao manau Ajuricaba condenado
Sem defesa
Só restou afogar-se no Amazonas
E fomentar lenda pelo arco das gerações
À espera doutro dia no futuro.
Oh, “água má” da erosão toponímica do rio do tuxaua
Lenta demolição das beiras do Convento do Carmo
Corruptela da língua papa-chibé!
Quando será livre a Orla p’ra mostrar a história
Soterrada debaixo do aterro do Piry
E tua memória renascida assumir
A verdadeira saga do tuxaua marajoara?