quinta-feira, fevereiro 19, 2004

O Liberal, 19 de fevereiro de 2004, Artigos do dia

Ordem urbanística

Luiz Paulo Zoghbi*

Em artigo recente, ressaltei que as questões ambientais ganharam maior ênfase após dois eventos: a Conferência de Estocolmo, em 1971, e a do Rio de Janeiro, em 1992, a Eco 92 , ambas tratando do meio ambiente e do desenvolvimento.

A Eco/92, considerando que ocorreu trinta anos após a primeira, foi muito mais divulgada pelos atuais e modernos meios de comunicação, chegando sua mensagem a todos os cantos do planeta. Ambas privilegiaram questões voltadas à fauna e à flora, não dispensando a mesma atenção às questões relativas ao meio ambiente urbano.

Poucos eventos sobre meio ambiente tratam da preservação, conservação e manutenção urbana, seja de nossas praças, monumentos, vias públicas, prédios públicos, áreas de lazer. É a “ordem urbanística” relegada a segundo plano. O mogno e o mico leão dourado, sim, estes têm recebido mais atenção.

Paulo Affonso Leme Machado, em Direito Ambiental Brasileiro, frisou que a ordem urbanística está muito bem conceituada na lei 10.257/2001, como sendo o conjunto de normas de ordem pública e de interesse social, que regula o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos. Conclui que a ordem urbanística há de possibilitar uma nova cidade, em que haja alegria de se morar e trabalhar, de se fruir o lazer nos equipamentos comunitários e de se contemplar a paisagem urbana.

Olhando Belém, é possível falar em ordem urbanística? Olhem para a entrada de Belém, para o Entroncamento, onde termina a BR-316 e se inicia uma das suas principais avenidas, a Almirante Barroso. Sob o pretexto da construção de um sistema viário que não saiu da prancheta e das placas promocionais, destruiu-se um longo trecho de avenida e estrada, transformou-se o trânsito num caos e encobriu-se um monumento projetado por um dos maiores arquitetos do mundo e que homenageia um grande movimento de nossa história, a Cabanagem.

Outro exemplo bastante elucidativo do descaso do meio ambiente urbano de Belém são nossos calçamentos, que obrigam os pedestres a malabarismos indizíveis para consecução do que deveria ser um natural caminhar.

Belém é a cidade da pichação e da ação de vândalos impunes que não respeitam prédios, monumentos, residências.

Impossível falar em degradação e atentado ao meio ambiente urbano sem amargamente lembrar da praça da República, a mais bonita e imponente de todas, abrigo do Teatro da Paz, referência nacional.

A tradicional feira popular que ali se instala todos os domingos, que deveria ser uma atração turística, transformou-se numa lamentável bagunça, com artesanatos e pratos de comida típica sobrepondo-se caoticamente. No dia seguinte, o resultado: sujeira e destruição.

Não temos segurança que garanta a proteção do nosso patrimônio público, pois a Guarda Municipal sumiu. Contudo, temos, isso sim, em cada esquina, guardas de trânsito aplicando multas sem qualquer fim didático mas arrecadatório. O lixo acintosamente se acumula, e com ele a proliferação de doenças. Nenhum prefeito, até a presente data, encarou o problema da falta de limpeza das ruas de Belém.

Belém e todo o Estado do Pará, situados no coração da maior floresta do mundo, cobiçada por todas as nações e que deveria ser um exemplo de preservação do meio ambiente urbano e rural, são, ao contrário, palco de atentados e degradação sistemática. Precisamos de organizações não-governamentais para preservar nosso meio ambiente urbano e a nós mesmos, assim como a fauna e a flora são preservadas.

Não há que se falar em ordem urbanística em uma cidade onde não há limpeza, segurança, conservação e respeito ao cidadão. Quem sabe a solução não estaria no aparecimento de um Greenpeace urbano.

Há quem diga que Belém é a cidade criança. Concordo, só que criança suja, abandonada e maltratada.

* Advogado
E-mail:
zoghbi@canal13.com.br

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