domingo, março 19, 2006

O Liberal. 19 mar 2006. Atualidades. Obras começam em abril

Prefeitura de Belém já abriu licitação para dar início ao projeto de urbanização e macrodrenagem da avenida, no trecho do Mangal das Garças à rua Fernando Guilhon.

A Prefeitura de Belém anunciou para abril o início das obras do projeto de urbanização e macrodrenagem da Estrada Nova (avenida Bernardo Sayão). Nesta primeira fase, em licitação, serão urbanizados cerca 2,4 quilômetros, desde o Mangal das Garças até a avenida Fernando Guilhon, no Jurunas, de um total de seis quilômetros de orla que vai até a Universidade Federal do Pará (UFPA). Esse trecho foi escolhido, segundo a prefeitura, porque não exige a necessidade de desapropriações.
Não é de hoje que se tenta dar um jeito na orla de Belém. Desde o início do século XX registram-se iniciativas em áreas distintas. A arquiteta Ana Cláudia Duarte Cardoso, pesquisadora da UFPA, relata que a primeira e, talvez a mais ambiciosa de todas tentativas, foi idealizada pelo megaempresário da época, Percival Farquhar (1864-1953), que conseguiu a concessão para explorar os serviços portuários na capital, através da empresa Port of Pará Co. Farquhar retirou os trapiches que havia em frente à cidade e construiu, no mesmo local, o Porto de Belém, em outubro de 1909. O empresário projetou o porto para ocupar 1,7 mil quilômetros da orla ao longo da Baía do Guajará quatro anos depois.
De acordo com Ana Cláudia, pesquisas dão conta de que o projeto se estenderia do porto até o atual Distrito de Icoaraci. Mas a decadência econômica provocada pelo declínio da borracha impediu que a construção fosse levada a cabo. Anos mais tarde, já na década de 40, surgiu a avenida Bernardo Sayão, um dique construído ao longo da orla do rio Guamá que vedou a passagem de água para muitos canais que irrigavam a cidade de Belém. A área, então alagada, deu lugar a terras secas que atraíram a ocupação desordenada que está lá até os dias de hoje.
Complacência - 'Toda aquela região era inundada pelas águas do rio. Com a construção do dique, as pessoas e empresas começaram a ocupar a área sob os olhares complacentes do Poder Público', diz o engenheiro Pedro Silvério, que também estuda o assunto. Essa ocupação permitiu que 250 mil pessoas em seis bairros vivam em áreas com péssimas condições de saneamento e essa é a quantidade de pessoas com que a prefeitura terá de negociar para viabilizar o projeto, que prevê seis pistas com largura de 70 metros, área de passeio, estacionamento e ciclovia.
A proposta sugere que boa parte do espaço será reservada para lazer, com quadras de esporte, áreas para ginástica, restaurantes e quiosques. Quando anunciou a obra no mês passado, o prefeito Duciomar Costa disse que o projeto, ao contrário do atual panorama, vai permitir que as pessoas morem numa área bonita, segura e agradável, o que vai valorizar também seus imóveis e viabilizar propostas do setor de turismo. Além disso, a macrodrenagem da área vai permitir que o canal da Estrada Nova interaja com o do Una, resultando na redução de problemas de alagamento na cidade quando o rio Guamá encher em período de chuva intensa.
Mas esse pensamento não é unanimidade. Ana Cláudia Cardoso explica que já foram feitas pesquisas entre pessoas que vivem o cotidiano da orla da cidade, seja pelo comércio intenso em seus trapiches ou por pessoas que chegam ou deixam Belém por seus portos. Segundo a pesquisadora, os conceitos de orla podem adquirir vários significados, dependendo dos grupos de interesse envolvidos. Para a arquiteta, o projeto proposto pela prefeitura poderá atender ao interesse de uma parte da população que vê para esse espaço um ambiente como os dos calçadões de Copacabana, o que não quer dizer que essa visão atenderá às necessidades das pessoas que já fazem uso da orla.

População organiza movimento em defesa da orla livre da capital

Os debates sobre o o que fazer da orla de Belém não são exclusividade do Poder Público e de pesquisadores. A sociedade civil também criou fóruns de discussão sobre o tema. Um dos mais organizados é o Movimento Orla Livre, que conta atualmente com mais de 300 integrantes. Profissionais liberais, geógrafos e empresários que integram o movimento, como ele mesmo se classifica, é formado por pessoas apaixonadas pela cidade.
Seu slogan é 'O Movimento Orla Livre luta pela libertação das bordas d’água do rio Guamá e da baía de Guajará para o usufruto do legítimo dono: a população de Belém'. A associação mantém o site www.orlalivre.com.br e um espaço de discussão de onde não escapam todos os assuntos que dizem respeito à orla, particularmente os que merecem críticas. Em tom bem-humorado, o movimento convida quem estiver interessado a aderir a esta espécie de 'guerrilha' do bem em prol da 'liberdade' da orla. Um dos objetivos é chamar a atenção do maior número de pessoas possível para o assunto, divulgando suas idéias e objetivos.
Sobre o projeto da prefeitura para a avenida Bernardo Sayão, os integrantes do movimento fazem algumas considerações, que estão publicadas no site: terá características amazônicas ou será uma cópia de Copacabana? Expulsará os moradores mais pobres ou será uma chance real de inclusão social? Integrará o rio de uma vez por todas em nosso dia-a-dia?

Paralelamente, membros da associação estão engajados em projetos, como de construção de uma marina pública às proximidades da avenida Pedro Álvares Cabral. Afrânio Colares, um dos
diretores da Associação Náutica de Belém, diz que o grupo, do qual participam mais de 50 pessoas, entre velejadores e canoístas, já está negociando com a prefeitura e o governo federal a cessão de uma área 70 metros de orla da cidade em frente à Baia do Guajará, no início da rua Soares Carneiro, bairro do Telégrafo.
Lazer - Orçado em R$ 1,2 milhão, o projeto prevê uma marina com acesso à população, lojas, restaurantes e uma escola náutica para atividades com crianças carentes ou de escolas públicas. 'Entre os objetivos estão ensinar vela, canoagem, a prática do esporte e oferecer alternativas de lazer para essas crianças', diz. Além do trabalho com as crianças, Afrânio informa que os integrantes da associação são velejadores com mais de 20 anos de experiência e que se ressentem de um espaço público com condições para velejar, prática esportiva que poderia ser popularizada em uma região como a de Belém, avalia. Segundo ele, a capital é cercada por mais de 30 ilhas, todas com características excepcionais para o turismo náutico. 'Cidades como Salvador (BA), onde há duas marinas públicas, estão conseguindo obter muitos recursos com o turismo náutico, o que poderia ser explorado aqui', considera.

Donos de estâncias estão preocupadosem terem de abandonar o local

Para ocupar os poucos espaços livres que ainda restam na orla de Belém não é preciso muito esforço. No caso de estâncias que tomaram áreas desocupadas da orla da rodovia Artur Bernardes nos últimos cinco anos, a certeza de que pouca coisa será feita para retirar o ocupante é um incentivo.
Quem vende tijolos e tábuas em estâncias instaladas nas proximidades do canal diz que só está procurando um lugar para trabalhar. 'Não tinha nada por aqui. A gente botou esse barracão, pega o material que chega, revende e emprega umas pessoas que moram aqui perto. Todo mundo ganha e tem trabalho', considera um dono de estância, que pediu para não ser identificado.
Para Sérgio Gouveia Nascimento, dono de uma embarcação que transporta madeira da região das ilhas até as estâncias construídas às proximidades do Canal do Galo, as estâncias menores oferecem preços melhores. 'O pessoal coloca a estância. Para A gente é até mais próximo do que chegar até o outro lado da cidade. Além disso, às vezes, a gente consegue um dinheiro a mais do que em algumas estâncias maiores, onde tem mais saída e o preço cai', diz o dono da embarcação.

Construção de casas já está em andamento para mudar a Vila da Barca

Viver na orla de Belém não significa privilégio, principalmente para quem ocupa áreas desordenadas, sem infra-estrutura básica, como saneamento. A Vila da Barca é um exemplo. Sinônimo de violência e criminalidade durante muitos anos, a área passa por um projeto de reurbanização, orçado em R$ 23 milhões. No total, serão beneficiadas 541 famílias, com a construção de casas populares. A meta é concluir as obras até o final de 2008.
A poucos metros das obras, a aposentada Almira Souza, 70 anos, garante que não troca sua casa sobre as águas da baía por uma residência em alvenaria. Segundo ela, a mudança para uma área seca não vai dar o mesmo espaço que ela possui hoje. 'Já vivo aqui há mais de 40 anos. Apesar de alguns problemas, como insetos, não tem mais nada. E não vou ter de volta o que investimos nessa casa. Só em madeira de lei foi muito dinheiro', ressalta. Para ela, viver em uma residência sobre o rio não causa qualquer incômodo. O que a preocupa é a falta de espaço. 'A gente sabe que nessas casas em bloco, o espaço é pequeno', diz.
Para Regina Coelho, 42, a situação é diferente. Ela não se importa com o tamanho de uma casa nova, contanto que esteja longe da água e dos problemas que traz. 'A gente tem que andar o tempo todo calçado por causa dos ratos, e quando a maré enche a água entra em casa. Já tivemos que trocar o piso uma vez. Não agüento mais morar aqui. Para mim, qualquer espaço que seja será bom', ressalta.

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