quinta-feira, maio 17, 2007

O Projeto Orla muda para andar rápido. O Liberal. 17 mai 2007.

Depois de vários tropeços de origem legal, o Projeto Orla, da Prefeitura de Belém, modifica a estrutura do muro de arrimo e já apresenta 400 metros dentro do rio Guamá. Aparentemente deixado de lado por ecologistas, entidades de classe com interesses e principalmente os fiscais da lei, o grande projeto da atual gestão avança na surdina da azáfama da vida dos cidadãos apressados pelo pão de cada dia. Talvez ressabiado, após tantas pedras no caminho, o comandante da cidade não dá a devida divulgação para o projeto pelo qual tem lutado desde o início da gestão e com o qual deve estar contando para impressionar a população como condição para a reeleição.
Licitado sobre um breve estudo, em forma de riscado a mão, o muro de arrimo para conter o aterro que formará as pistas de frente para o rio Guamá sofreu forte modificação. Pensado inicialmente como argamassa de cimento, preenchendo os sacos de plástico, formando uma escada para dentro das pistas, deveria no final ficar como o muro das Docas. O muro transformou-se em enrocamento de pedras britadas, com o formato de uma barragem de terra ou um dique. As pedras do enrocamento são blocos de brita, com 20 a 30 centímetros, trazidas de São Miguel do Guamá por balsas que percorrem um caminho livre e direto, descarregando praticamente sobre a obra. A arrumação das pedras é feita por máquinas do tipo retro escavadeira, de modo que não se deve esperar uma superfície uniforme. Além do mais, como se trata de pedras colocadas umas sobre as outras, o formato para dentro do rio será de um talude de pedras como se fora uma rampa de pedras onde as pedras estarão soltas, como se estivessem arrumadas do modo como caíram. Nesse instante do projeto, não é possível garantir que as pedras não sairão do seu lugar, principalmente lembrando que a velocidade da corrente do rio Guamá é bastante alta e revolta. É aceitável que um projeto desse porte sofra alterações e adequações na medida em que os técnicos passam a conhecer melhor as condições do leito do rio e o modo de executar a obra prevista. Sob o ponto de vista da estabilidade, esse novo formato é mais propício, se é que se pode afirmar isso quando se sabe que em todos os cálculos da engenharia há sempre coeficientes de segurança, que nesses casos devem ser maiores que o dobro. Entretanto, sob o ponto de vista da vida da estrutura, é necessário provar que as pedras colocadas aleatoriamente, jogadas ou mesmo compactadas, ficarão no lugar, mantendo a forma prevista. Além do mais, com esse formato de rampa para dentro do rio, não será possível utilizá-la como ancoradouro para qualquer tipo de embarcação. Talvez isso seja um formato adotado de propósito, da feita que os terrenos da orla dos rios que cercam Belém sempre foram tomados como propriedade privada e onde se vêem fábricas, comércios e até edifícios de cinco pavimentos construídos sobre estacas de madeira, dentro de lama, onde existe um bichinho chamado 'turu', cujo dente não livra a cara nem da maçaranduba.
No fundo dessa modificação existe uma coordenada chamada 'tempo'. É que o modo inicial, em sacos de plástico, demandaria muito mais tempo que os dois anos que restam do mandato do atual gestor. O processo atual é muito mais rápido e poderá, quem sabe, sair da São Bernardo e passar da Cata. Por enquanto, esses dois terrenos contíguos não oferecerão objeção à passagem das pistas e do aterramento. As duas áreas não necessitam do acesso ao rio, estão praticamente desativadas e os terrenos ficarão beneficiados com a passagem das pistas. A porca irá torcer o rabo quando o enrocamento passar ao largo dos pequenos comércios marítimos e dos incontáveis portos de atracação de pequenas e médias embarcações. Haverá um enlace mortal para todas essas atividades, da feita que todas ficarão sem contacto com o rio e, portanto, todas em terra pura.
O que haverá de ser feito com tudo aquilo?
A resposta deverá ser do tipo 'a cidade merece e precisa ver o rio'.
*É engenheiro civil e professor da UFPA.