quinta-feira, maio 24, 2007

O terreno da CDP é um intruso

A experiência bem sucedida do projeto 'Estação das Docas' como local de destaque para o turismo em Belém suscita uma pergunta que já há algum tempo vem permeando a mente dos belenenses. Por que os outros galpões da Companhia das Docas do Pará não são utilizados para o mesmo fim ou para um fim correlato? A resposta talvez esteja na gula monetária do Governo Federal ou mesmo na gula dos políticos pelo poder.
Tecnicamente, o porto de Belém é hoje, sob todos os aspectos, impróprio para os embarques a que se destina. Construído pela 'Port of Pará', de propriedade do quaker milionário Persival Farqhar, o porto e suas instalações compõem a maior obra já construída em Belém. São dois quilômetros de cais feitos em blocos de concreto premoldados, com altura maior que 11 metros, onde mais de 10 permanecem dentro do nível de água, pois a profundidade, ali onde encostam os navios, é de no mínimo 7 metros. O canal de aproximação dos navios foi executado pela dragagem do leito da baía do Guajará e o material retirado foi usado para construir o bulevar Castilho França. Por essa razão, o canal de aproximação necessita ser dragado de tempos em tempos. A dragagem é uma operação perigosa, pois pode solapar a base do muro de arrimo e colocar abaixo toda a muralha, juntamente com os galpões. Muito embarque de 'peles', como se chamavam as bolas de borracha, fez-se por aquele porto, na época áurea da exportação da borracha, justamente para o que foi construído.
Espremido pala expansão da cidade naquela direção, principalmente depois do aterramento da Doca de Sousa Franco, o porto ficou sem área de estocagem. Hoje, como se pode ver, a área de estocagem dos 'palets', aquelas caixas grandes onde se colocam os produtos, fica do outro lado da rua Marechal Hermes, criando transtornos a quando do embarque das mercadorias. É que, ao atravessar a rua, há que se isolar o trânsito para que os guindastes possam trafegar sem perigo aos transeuntes. Como a área de estocagem é exígua, os palets ficam empilhados uns sobre os outros, constituindo um verdadeiro edifício. As pilhas ficam próximas da rua por onde passam as pessoas e, como já ocorreu, pode haver desmoronamento das pilhas de 'palets' causando mortes na certa. Uma situação igual a essa em uma empresa privada já teria tido a intervenção da Delegacia do Trabalho, embargando a área e o próprio trabalho. Mas o tratamento para o serviço público parece não merecer as mesmas regras de segurança que são aplicadas ao setor privado. Tenho visto obras com duzentos empregados serem embargadas e ficarem paradas por semanas, às vezes por falta de uma simples fita de aviso aos trabalhadores. Não que não sejam importantes, pois preservam vidas e acidentes de conseqüências trágicas. Mas aquela situação é deveras perigosa. A Mecânica dos Solos está repleta de acidentes causados por excesso de peso sobre camadas de argilas orgânicas moles, como é o caso daquele local. Sabemos que o subsolo daquela aquela área é constituído de 28 metros de argila orgânica mole, sem resistência à compressão. A argila é tão mole que os guindastes quando estão na faina de empilhar 'palets', produzem vibrações que se transmitem para as construções vizinhas. Não é necessário ser fatalista para dizer que pode haver afundamento ou escorregamento da camada de argila orgânica, causado pelo excesso de 'palets' empilhados ou mesmo causado pelas pilhas de madeiras, que são densas e pesadas. Para confirmar a possibilidade, grande parte dos casos relatados na literatura técnica está justamente nas proximidades de portos de embarque, onde os afundamentos do solo causaram grandes movimentos de terras com conseqüências desastrosas.
O terreno da CDP é hoje um verdadeiro intruso para a cidade. Existem áreas de portos particulares, para além da Pedro Álvares Cabral, que já são muito mais apropriadas para esse trabalho. Tendo sido palco de muitos escândalos, as administrações não conseguem justificar sua presença naquele local. O Governo Federal talvez insista em lá permanecer porque é mais uma torneira por onde leva mais recursos do Pará, sem qualquer compensação.

Nagib Charone Filho é engenheiro civil e professor da UFPA.
E-mail: nagibcharone@bol.com.br