quarta-feira, fevereiro 14, 2007

O Portal será aterrado como a Doca. O Liberal(Artigos do dia) 14 fev 2006.

No artigo anterior, delineei, em traços largos, a geografia e a hidrografia da área onde será construído o maior dos projetos da atual gestão da cidade de Belém. Mostrei que a área escolhida para o primeiro trecho, que vai da rua Fernando Guilhom até o Mangal das Garças, é, sob todos os aspectos, o que se apresenta como o mais fácil, se é que assim se pode dizer de uma obra desse porte. Isso porque a profundidade do Guamá entre a UFPA e a Fernando Guilhon é muito maior, chegando a quatro metros na maré vazante, próximo da beirada onde encostam as embarcações. Por essa razão, no trecho que parte do portão principal da UFPA até a rua Fernando Guilhon, as pistas do projeto licitado passam por dentro das construções, cortando-as, justamente para não enfrentarem as profundidades do Guamá.

É evidente que aí as dificuldades de ordem legal chegarão ao total imprevisível, porque será briga feia quando se tratar de cortar algumas indústrias plenamente produtivas e até hotel de quatro pavimentos com grande movimento. É possível que a Prefeitura, após enfrentar as dificuldades da primeira etapa, reveja o traçado inicial colocado na licitação. No primeiro trecho, o aterro das pistas será feito com material retirado do leito do rio Guamá, justamente onde existe hoje o banco de sedimentos na área de sombra das correntes do rio. Esse mesmo processo, denominado de aterro hidráulico, foi utilizado pelos construtores do cais da Estação das Docas, no início do século passado, aí por volta de 1905. A avenida Castilhos França foi construída desse modo. A areia da escavação do leito da baía do Guajará para colocação das pedras de concreto do muro e para o aprofundamento do canal de aproximação dos navios, foi todo colocado sobre a praia existente entre o alto da Presidente Vargas e o muro do cais. Os galpões da Estação das Docas estão sobre esse aterro e, pelo visto, poder-se-á confiar no aterro do Portal, desde que o trabalho seja feito dentro das técnicas. Outros aterros desse tipo já foram feitos em Belém, todos com pleno sucesso. Um deles é a área da Doca de Sousa Franco, hoje tão valorizada e um dos locais mais movimentados da Cidade. Também grande parte da área da UFPA foi retificada com aterro hidráulico, todo retirado do leito do rio Guamá logo à frente. Talvez essa retirada de material do leito do rio Guamá para retificar a área da UFPA tenha contribuído para conduzir a corrente do poderoso rio direto sobre margem da Universidade, pelo que se tem de construir muros de proteção constantemente.

As pistas do Projeto Orla terão 45 metros de largura no total, incluídas as calçadas de 5 metros, canteiro central de 5 metros e ciclovia de 4 metros. Afora esses 45 metros, ainda para dentro do rio avançam mais 25 metros de aterros, que servirão de área de lazer cujo paisagismo será o ponto alto do projeto, garante a Municipalidade. São, portanto, aproximadamente 70 metros de orla, abertas diretamente para o rio Guamá, com a promessa de, finalmente, oferecer aos belenenses a visão esplêndida e avassaladora das águas da Amazônia.

O projeto licitado prevê a substituição do canal da Bernardo Sayão, conhecida como Estrada Nova, por tubos de concreto para a drenagem de esgotos e águas pluviais. Os tais tubos deverão substituir o canal que hoje lá existe, por sobre o qual habitam milhares de pessoas, adultos e crianças, onde nas marés de águas grandes pululam os vermes e o coaxar das rãs. É uma situação permanente de indigência, travestida de modernidade e progresso, porque à sua frente passa o asfalto e não muito longe se encontra o centro romântico e saudosista da Cidade das Mangueiras.

Evidentemente que somente os tubos não resolverão os alagamentos dos bairros do Jurunas, Condor e Guamá. Para isso, a Prefeitura pretende colocar em marcha o seu segundo projeto, a macrodrenagem do canal da Quintino Bocaiúva, cujas poucas notícias se vêem espaçadamente nos jornais. O atual alcaide, talvez ressabiado com as rédeas curtas dos executores das leis, não tem dado divulgação aos projetos.

Mesmo assim, ao fim e ao cabo, conseguiremos ter, escancarado diante dos nossos olhos, o lendário rio Guamá?

Nagib Charone Filho é engenheiro civil e professor da UFPA.

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