quarta-feira, fevereiro 07, 2007

O projeto Orla será construído sobre lama? Prof. Eng. Nagib Charone. O Liberal.

Vendo a obra por iniciada, a Prefeitura de Belém trata, agora, de ultimar os projetos, aprimorar os cálculos estruturais, fazer testes de solo e até estudar alternativas para sustentação do aterro, que servirá para as duas pistas da grande orla da cidade, naquele local. Tendo em vista que a obra será literalmente construída dentro do rio Guamá, a população se pergunta se a obra poderá ser construída e, mais ainda, se será segura. A presença efetiva de depósitos de argila orgânica (lama) no leito dos nossos rios permeia o entendimento e até o imaginário dos nossos habitantes. Somado com tudo isso, o volume de água e a profundidade dos rios amazônicos, as correntezas e as marés de águas grandes podem colocar em dúvidas a referida obra.

Quem conhece a geografia da península Belém sabe que ela se parece a um seio de mulher. Em um dos lados, o da UFPA, é banhada pelo rio Guamá, e na outra face, pela baía do Guajará. Em frente à orla do Guamá existe a ilha do Combu, que pertence ao município de Acará, e em frente à baía do Guajará está a ilha das Onças. O rio Guamá, juntando-se com o Acará e o Moju, formam a baía do Guajará, que passa em frente da Estação das Docas. Todos são rios caudalosos e, portanto, a baía do Guajará é mais que todos, pois recebe contribuição do Amazonas, que passa em Mosqueiro, já que todos estão em vasos comunicantes.

O rio Guamá é pouco tortuoso, porém sua corrente vem em quase ângulo de 45 graus sobre o Campus da UFPA, sofrendo ricochete no pequeno cabo que existe na área da Copala. A corrente se desvia para atingir o terço médio da ilha do Combu, deixando, entre a praça Princesa Isabel, na Condor, e o Mangal das Garças, uma área de remanso ou área de sombra. Nesse trecho, a corrente do Guamá é, às vezes, inversa e lenta, diferente da corrente do canal. A corrente lenta facilita a deposição de sedimentos trazidos pelas águas, causando fenômeno denominado de assoreamento. Por essa razão, a profundidade máxima nessa área não chega a 4 metros na maré cheia e meio metro na vazante. Contrasta com o canal da corrente principal que, perto da ilha do Combu, chega a 28 metros, com média de 12 metros. Talvez por essa razão a Prefeitura de Belém escolheu, acertadamente, esse trecho para servir de teste e ajuste das dificuldades que a empresa terá na execução da obra. Por enquanto, portanto, a empresa estará enfrentando as melhores condições da obra, pois haverá trechos em que poderá trabalhar praticamente em seco, como na área em frente à Cata, onde um banco de areia e sedimentos se estendem por quase 100 metros rio a dentro. Quem navega naquela área sabe que, na maré vazante, é necessário abrir ao largo, pois que só passam canoas e ubás.

O projeto licitado contempla, como solução para a contenção do aterro, um muro de gravidade, ou seja, que se sustenta pelo próprio peso, nos mesmos moldes do que é feito na Estação das Docas. O muro da Estação das Docas é como se fora uma pirâmide de 6 metros de base por 11 de altura, construída dentro da baía do Guajará. A diferença é que as pedras do Orla, em forma lamelar, serão de cimento e areia, contidos por um saco plástico denominado 'poliforma'. Na Estação das Docas, as lamelas são de concreto e foram colocadas umas sobre as outras com escafandros, aparelhos que permitem mergulhar respirando, propostos pelo genial Julio Verne, lembram?

No Orla, as 'poliformas' serão preenchidas, já dentro dágua, na profundidade certa, com bombas de argamassa estacionadas em terra ou em balsas, o que diminuirá substancialmente o tempo e o trabalho de arrumação de umas sobre as outras. Com o passar do tempo, as tais 'poliformas' serão desgastadas como se estivessem soltando a pele, e o trabalho ficará horripilante, para dizer o termo certo. Talvez a construtora tenha outros argumentos ou outros tratamentos para dar à superfície das lamelas, pois ainda devem estar em debate técnico.

Experiências com a tal 'poliforma', como contenção de alguns tipos de aterro submerso, têm tido relativo sucesso, porém o aspecto externo deixa muito a desejar. O projeto Orla não é complicado, mas ainda vai dar muita discussão técnica.

E sobre a lama do título? Contarei no próximo artigo.

Nagib Charone Filho é engenheiro civil e professor da UFPA.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prof. Charone estou fascinado pelo seu conhecimento tecnico e abrangente da nossa tão querida e esquecida orla de Belem. Por outro lado me entristesse o pouco caso dado pela equipe tecnica da PMB aos assuntos relevantes desprezando o conhecimento local e empirico de tantos filhos ilustres paraenses